Tragédia de Santa Maria, também sou culpado, me prendam!
Ou
Onde vamos parar assim?
Independente da tragédia e foi uma tragédia
que ocorreu em Santa Maria; independente da dor que todos estamos sentindo,
especialmente os familiares das vítimas; independente da enorme ferida que
certamente nunca irá cicatrizar, devemos, ou melhor, temos a obrigação de não
perder o bom senso, sob pena de piorar ainda mais as coisas – este sentimento
de dor, medo e inutilidade e de adicionar caos a esta desgraça.
Engana-se quem pensa que as prisões
pós-tragédia vão amenizar tudo isso, ou que vão trazer alento às centenas de corações
destroçados. Procurar (e achar) culpados neste momento só contribuirá para
criar uma falsa impressão de agilidade. Penso que procurar culpados agora será
um bom exercício de subjetividades e até poderá ajudar para manter todo mundo
ocupado com coisas que até podem resultar em ações palpáveis (como as prisões),
já que pensar na morte – companheira do mesmo campo subjetivo resulta nela
mesmo e não nos tira da realidade.
Mas é justo procurar culpados? É justo
afirmar que alguém, em sã consciência, colocaria fim a jornada de mais de 230
jovens? Ok, todos concordamos que quando se faz a soma erros e incompetências
com as irresponsabilidades, o resultado será nefasto e a palavra fatalidade
deve perder o sentido. Mas onde e quais foram estes erros e
irresponsabilidades? Tendo a acreditar que usar de superficialidades como: uma
porta que não estava no lugar, um extintor que não funcionou, o comportamento
turrão de alguns seguranças, um alvará vencido e um sputnik usado
indevidamente, só nos afastará das questões que realmente importam.
Aonde de fato chegaremos com isso? Será que
prender alguém com base nestes eventos mudará toda essa triste história? Os
jovens que se foram naquela noite voltarão para suas famílias?
Desculpem, mas não acho certo apontar
culpados ou prender alguém, porque no fundo somos todos culpados, assim, também
devemos ir para cadeia. Os fatos que levaram aquelas mortes estão sendo
distorcidos e encobertos com extintores e portas. Se prender alguém fará todo
mundo se sentir melhor, sugiro que comecem por mim. Mereço ser preso porque
tenho uma filha de 21 anos e nunca disse a ela para verificar as saídas de
emergência nos ambientes que ela frequenta (todos os ambientes). Mas se minha
prisão não for suficiente, vamos também prender os padres, pastores e
assemelhados, porque foram incompetentes em suas orientações espirituais, não souberam
fazer esta meninada a acreditar que estar em casa com a família é melhor que ir
para festas com amigos, aliás, vamos prender também aqueles amigos que disseram
não vai na Kizz sem ser convincentes.
Vamos prender também aquela polícia, que só sabe prender sem educar. Devemos
prender também os bombeiros que não fizeram o trabalho preventivo. Temos que
prender também os donos das emissoras de TV que há décadas vem, através de suas
novelas e reality shows, deformando gerações, fazendo-nos crer que o bonito é
ser fútil e que o bacana é ser esperto (enganar, mentir e ter um jeitinho para
tudo). Vamos prender todos os governantes porque eles só pensam nos votos e não
implantam políticas públicas baseadas na formação intelectual, na solidariedade
e no repeito ao próximo. Enfim, ou nos prendemos as coisas que realmente
importam, ou sejamos justos e prendemos todo mundo.
Sou
absolutamente a favor da elaboração de um novo marco legislatório para o
funcionamento de casas noturnas, porém, sou contra colocarmos meia dúzia de gente
na cadeia para desculpar nossos próprios erros e de ocultar a única verdade
dessa história: vivemos em uma sociedade em decomposição, sofremos com o “fim
dos valores humanos” e estamos todos doentes.
Nada que fizermos agora irá trazer àquela
gurizada a vida, mas podemos mantê-los vivos. Para isso precisamos parar de nos
enganar, mudar nossas atitudes, transformar todo este estado de coisas e
construir uma sociedade baseada na generosidade e no amor.
Claiton
Manfro
Janeiro/2013
Claiton,
ResponderExcluirconforme meus apontamentos no "Cavalgando o Vento" (em 07/02), compartilho com o camarada dos mesmos sentimentos.
A tragédia teve proporções inéditas, mas a resposta de muitos foi a mesma de sempre: sensacionalismo e sentimentalismo de um lado; moralismo esbravejado com as calças esquecidas no armário, por outro lado.
E vindo ao encontro destes nossos lamentos humanistas lembro do menino boliviano, morto no último jogo do Corinthians, contra o San José, na Bolívia, pelo "Bando de Loucos"...
A mesma imprensa que incensa a torcida do Coringão agora a demoniza.
Fraterno abraço!