Leia com os olhos fechados IV
Galope
Os cascos do meu pingo marcavam a estrada como cicatrizes
do meu andar.
Caminhávamos juntos, respirávamos juntos.
Havia uma sincronia que fazia do galopar sem freio, nossa
única vontade. Me dei conta de
como eram desimportantes os calendários e os
relógios e decidi transferir a contagem dos dias pra quem os inventou.
O vento minuano, que cortava minha pele seca e levava ao
chão as últimas folhas dos cinamomos, denunciava: era inverno!
Este pampa-cenário foi me adicionando valor e, por alguns
minutos, me senti um peão de sorte: eu tinha a cumplicidade do meu pingo e a
clareza de uma identidade terrunha.
Isso tudo me garantia certo status diante dos
atrapalhados com sua origens.
O prazer do frio, o bueno mate Martín Fierro e a longa
estrada que se transformava a cada contrapulo do trote, me levaram a dispensa -
pro lugar onde se guarda as coisas. Coloquei lá todas as contradições que fazem
parte da gênese pampeana e puxei pra fora, com legítima ingenuidade, os
elementos mitológicos do “meu lugar”.
Não demorou muito, virei centauro, naveguei por campos e
coxilhas, compus hinos e desenhei bandeiras. Também organizei colunas e marchei
contra a opressão e a injustiça.
Nesta curta cavalgada fiz uma longa viagem e percorri
muitos mistérios.
Depois, já no galpão, com o chimarrão na mão e bem
acomodado em meu cepo, vi que na verdade havia mesmo era me percorrido.
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