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domingo, 25 de julho de 2010

A Antropologia Teatral e a transformação da sociedade

Segundo Eugênio Barba, a Antropologia Teatral é o estudo do comportamento cênico pré-expressivo que se encontra na base dos diferentes gêneros, estilos e papéis, e das tradições pessoais ou coletivas. Em outras palavras, a Antropologia Teatral estuda aquilo que existe em comum entre as manifestações de teatro/dança em diferentes partes do mundo, onde pesquisadores buscam identificar os princípios e as técnicas utilizadas nestas manifestações. Como, por exemplo, as semelhanças entre a chula do Rio Grande do Sul e o Kathakali Indiano; entre o Butoh Japonês e a Capoeira da Angola.
Neste pequeno texto pretendo abordar superficialmente questões relativas aos princípios da própria Antropologia Teatral que, em meu ponto de vista, difere e por vezes transcende os significados inerentes a Antropologia cultural, pois quando a Antropologia Teatral passa a considerar o teatro como processo do desenvolvimento criativo do ator, ou, mais especificamente, “do corpo em vida do ator”, está também dizendo que, quem a pratica, busca respostas que não estão restritas somente aos costumes-hábitos; constituição cultural ou processos evolutivos de determinadas comunidades.
A Antropologia Teatral vai além, levanta questionamentos pertinentes ao homem como centro, como construtor de seu próprio corpo, como ser em estado enérgico e, o mais interessante, o homem em uma situação de representação – a representação de uma idéia onde o ator/humano se coloca como ser pensante, questionador. Talvez, como desejou Brecht e tantos outros. Não o ator interpretativo, reprodutor e/ou simplesmente transmissor de uma idéia. Burnier nos dizia: A busca do ator, assim como a de todo o artista que quer algo mais do que um simples reconhecimento social e econômico, é a incontestável tentativa de reavivar a memória. Mas se nossa memória é na verdade nossas percepções e desejos mais profundos adormecidos. Acordá-la, significa ao ator, quase que um redescobrir-se. Porém, para que isto ocorra, é preciso que o ator exija de si mesmo uma entrega permanente, realize um trabalho cotidiano, desenvolva humildade e generosidade, reconstrua sua percepção e sensibilidade acerca da vida, sistematize e codifique suas pesquisas, e constitua para si um arcabouço técnico capaz de possibilitar a desconstrução e reconstrução permanente de sua vida/trabalho.
Talvez seja este o papel da Antropologia Teatral: A desconstrução e o descobrimento do ator/homem/espectador. Artaud desejou que a arte atingisse nossa percepção mais profunda, um universo equiparável ao dos sonhos, do inconsciente, pois dessa forma estaria revolucionando; disse ainda que não queria apenas a transformação, mas uma transformação que curasse o homem de sua mesquinhez, mediocridade, de seu estado degenerativo.
Eis a antropologia teatral se associando aos princípios defendidos por Artaud, Breton, Baron, entre outros, num manifesto surrealista de 1925: “Nós estamos realmente decididos a fazer a revolução”. “Nós estamos lançando a sociedade esta advertência solene: Que ela preste atenção a seus desvios, a cada um dos falsos passos de seu espírito, nós não a deixaremos escapar.” A Antropologia Teatral se associando as idéias de luta – revolução de Marx e Engels em seu manifesto comunista: “Tudo que é solido derrete-se no ar, tudo que é sagrado é profanado e os homens são, por fim, compelidos a enfrentar de modo sensato suas condições reais de vida e suas relações com seus semelhantes.” E, ao pensador anarquista Bakunin: “A maior lei da sociedade capitalista é competitividade, ela opõe frontalmente o homem contra o homem...A liberdade só será possível quando todos os homens forem iguais”.
Não podemos pensar na transformação da sociedade sem pensarmos na transformação de cada ser humano, mas como realizar este tipo de transformação (que cura), se temos que considerar as diferenças de cada ser? Como podemos imprimir um processo revolucionário degenerativo de massa, se cada homem é único? Como fazer isto sem cair no erro do realismo socialista implantado na União Soviética, onde só existia espaço para engajada – prostituta do Estado? Não tenho pretensão de responder estas questões, mas proponho que busquemos respostas a partir de uma análise aprofundada da Antropologia Teatral e seus antecedentes, como Grotowski, Meyerhold, Decroux, Zeami, entre outros. Que busquemos pistas em lugares que nos são próprios, como nosso corpo, memória e espírito. Que nos coloquemos abertos a trilhar por caminhos diferentes aos de nosso cotidiano, mas que talvez venham nos possibilitar a transformação em pessoas melhores, talvez os caminhos das dúvidas desencontros e rupturas, do não saber, do aprender a aprender, talvez, talvez, talvez...
É certo, porém, que a Antropologia Teatral cumpre papel fundamental para construção de uma nova sociedade, de um novo ser humano, pois tem em seus princípios o mesmo poder questionador e revolucionário dos movimentos populares autênticos, aqueles que trazem, no centro de suas bandeiras de luta, o homem como maior valor. O ser dentro de uma visão integral, única.

Claiton Manfro Schinoff
Diretor e pesquisador de Teatro/Dança
Revista Evidência - Agosto/2001

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