Nas últimas décadas, vários pesquisadores têm buscado a resposta para esta pergunta. As pesquisas realizadas por eles tem desembocado numa grande quantidade de caminhos e técnicas e, dentro deste cenário de dúvidas, algumas pessoas e grupos merecem ou tem merecido destaque, como é o caso de Jersy Grotowski, Antonin Artaud, Etiene Decroux e Eugênio Barba, entre outros. Devemos sempre mencionar estes grandes pensadores de teatro quando pretendemos resgatar a temática de pesquisa e de desenvolvimento técnico, não só pela importante contribuição que eles nos trazem, em vários aspectos desta arte, mas principalmente pela especificidade de suas elaborações num contexto de trabalho ainda mais difícil e angustiante, qual seja: O significado da palavra teatro no Brasil?
Durante décadas vivemos a margem, no processo criativo de trabalho de ator, de uma técnica que trouxesse/apresentasse uma codificação e/ou sistematização mínima. Grande parte dos grupos, diretores e atores no Brasil tem utilizado ou recorrido a intuição pura e simples que, em alguns casos, resulta num bom trabalho, mas na maioria das vezes em trabalhos com pouca qualidade. Em outros casos, na vontade de construir trabalhos mais consistentes, alguns grupos acabam copiando ou reproduzindo na íntegra as grandes tradições do teatro/dança oriental, como: O Nô, o Kabuki, o Katakali, etc. Atingindo uma maior qualidade no aspecto estético, mas igualmente deixando a desejar no conjunto do trabalho.
Logicamente, quanto maior era o aprofundamento dos grupos sobre o estudo dos mestres e tradições citados acima, mais esta realidade (da reprodução, da imitação) se alterava. Principalmente relacionado a compreensão, por parte destes grupos, diretores e atores brasileiros, da necessidade de utilização de um trabalho mais técnico, mais minucioso e conciso no ofício do ator, no seu processo criativo e na construção de espetáculos. Contudo, este entendimento, além de insuficiente para alterar a situação da produção teatral no Brasil, nos trouxe alguns resultados cheios de problemas; pois os grupos, na ânsia de acertar-encontrar um caminho, passaram a realizar experimentações cênicas sem conteúdo, sem objetivos, sem estratégia e, nitidamente, sem definição e/ou clareza na metodologia de trabalho a ser utilizada, levando-os a um artificialismo na expressividade dos atores.
Observamos um crescimento no número de grupos que utilizam técnicas onde a prioridade é a versatilidade dos atores, em detrimento do desenvolvimento integral de suas potencialidades. Com isso, muitos grupos de teatro no Brasil e talvez no Ocidente, vêm reforçando e contribuindo com o atual sistema político-ideológico e, através de seus espetáculos-propaganda política deste sistema, contribuem para a manutenção dos códigos de dominação impostos ao povo. Muitos desses grupos ainda, por enfrentar dificuldades financeiras, acabam sucumbindo ao assistencialismo das instituições públicas e privadas e associam-se aos mecanismos e métodos dos meios de comunicação, em especial os da televisão, para reproduzirem a mesma linguagem que, em geral, utiliza-se da manipulação, do artificialismo e da banalização dos fatos para transmitir suas idéias. E, exceto em casos raros, o teatro que se faz no Brasil vem homologando a exclusão social, a miséria, o desespero e a perda de identidade cultural da população. Ou seja, muitas vezes por não ter consciência das conseqüências de suas produções teatrais ou mesmo por oportunismo, a maioria dos grupos de teatro no Brasil vêem contribuindo para que o povo continue sendo subjugado, menosprezado e em crise permanente de existência.
Alguns grupos e/ou algumas pessoas têm lutado para mudar este quadro, mas o caminho é longo, é difícil, confuso e contraditório, pois muitas vezes temos que lutar contra nós mesmos, nossos vícios e preconceitos, ou melhor contra vícios e preconceitos que nos impuseram. Aprendemos com facilidade o caminho da indiferença e da ignorância e, através dele, somos conduzidos ao nirvana da felicidade, encontramos o paraíso e morremos alegres. O teatro não pode conduzir o povo por este mesmo caminho, se fizer isto sua existência passa a não ter sentido (para mentir e enganar a população já existe a televisão). O teatro deve nos levar a outro caminho, o caminho da consciência, do auto-conhecimento, da libertação. O teatro só existe de fato quando possibilita a transformação e a construção de uma nova vida, de um novo ser humano. Neste sentido, é urgente a formação de grupos que busquem o resgate dos principais valores humanos: a solidariedade, a generosidade, a felicidade e o amor. Para isso, a realização de pesquisas, que tenham por objetivo a construção e o desenvolvimento de técnicas que valorizem e se adaptem a nossa realidade cultural, que contribuam para a formação de cidadãos em sua integridade, antes de atletas (que só priorizam a competição e a versatilidade), deve ser considerada a condição sinequanon. Grupos que, a partir de seus trabalhos, possam contribuir para o resgate da auto-estima e autonomia dos habitantes deste país; que consigam elaborar, constituir códigos e sistemas possíveis de serem lidos, interpretados e assimilados por todas as pessoas interessadas. Precisamos fazer isto também para não nos sentirmos traidores de tradições, que levaram séculos para se constituírem ou traidores de nossa própria cultura, por não considerá-la.
Claiton Manfro Schinoff
Diretor e pesquisador de Teatro/Dança
Revista Evidência - Agosto/2001
Gostei do texto e look do blog, só uma sugestão dá pra aumentar a letra/ fonte??
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