Leia
com os olhos fechados 2
Libertei
os pés dos sapatos e caminhei sobre os pedregulhos e a grama. Ainda chovia um
pouco, e os pingos que caíam lentamente do chapéu, davam estética xadrez à
paisagem. Deu vontade de correr, não para exercitar, mas pra sentir isso tudo.
A chuva
guasqueada e o cheiro da terra molhada, emprestavam razão aos sentidos e, pra
ajudar, tinha uma trilha sonora que era carregada de acordes. Era um som de
silêncio – de reencontro. Queria que vocês vissem, parecia um desenho do Berega(1),
carregado de detalhes e emoções.
Percebi
que em cada folha caída das árvores, que em cada moirão de cerca, também me
percebia - eu estava ali, eu era tudo. Então, entendi o sentido de
pertencimento e permanência. Mais ainda, entendi que a solidão não passa de um
descuido de visão.
Continuei
caminhando. Peguei a trilha que dava na porteira dos fundos e fui até o velho
pé de corticeira. Os ninhos de passarinhos e as barbas de pau, enfeitavam as
árvores e rendiam ar de imponência à copa.
Bah,
que coisa mais linda!
A chuva
alegrava a passarinhada, embelezava a beleza e aguçava a filosofação: Platão
que me desculpe, a beleza não precisa de ninguém, ela existe por si só.
Essa
história toda me lembrou de um tempo antigo, em que os olhos destreinados de
sensibilidade, buscavam consolo nos colos maternos. É isso mesmo, lembrei da
infância e, com isso veio um pouco de tristeza, pois, apesar das boas
lembranças dessa época, vivia, como todas as crianças, isolado da consciência.
Não
sabia, por exemplo, que aquele cheiro de galpão (que eu tanto gostava), era
resultado da soma de outros aromas: tinha o perfume das costaneiras de eucalipto,
do óleo do trator, dos arreios, da fumaça do fogão campeiro e dos ninhos que as
corruíras faziam nos caibros.
Se
naquela época, eu soubesse que na vida, tudo não passa de uma soma, faria arte
das acrescentações e inventaria até um jeito de pensar.
Por
exemplo: não brigaria mais para buscar os terneiros no descampado, porque
saberia que os descampados são povoados de pequenos povos. Daria, apesar do
frio, mais valor aos banhos de açude tomados no inverno, porque saberia que
esse instante de frio, guarda um raro período de alegria e liberdade. Aproveitaria
mais as geadas nos campos e tomaria mais água das cacimbas, porque entenderia
que essas coisas nos aproximam de Deus. Apreciaria mais os bandos de pássaros
que se deslocam para repousar nos finais de tarde, porque saberia que se
deslocando daquele jeito, os pássaros (seres livres) nos ensinam que a vida,
também é feita de disciplina.
Dica: Leia o livro “Solo de
Clarineta” de Érico Veríssimo.
Claiton
Manfro
[1] Luiz
Berega: baita artista plástico de nosso Estado. Ilustrou nos anos de 1980, os
calendários dos postos Ipiranga.
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